domingo, 25 de maio de 2014

Itinerário.

Me lembro quando Brasília morreu na W3 completamente humilhada decopondo-se em sua própria via criada para enganar moradores e pombos que dormem de madrugada com metade de suas pernas. A burrice dos pombos se mostra quando dormem de madrugada e não percebem que é nesse momento que não há concorrencia para a comida. São raros os passáros que se prostituem onde Brasília morreu.
No dia seguinte fecharam o local com faixas amarelas e pessoas bem vestidas examinavam a cena. Meninos com suéters não choraram. Moças com perucas também não. Exclamavam por onde andava o assassino e ninguém se atreveu a apontar aos pombos. No decorrer de toda confusão ninguém mais sabia quem frequentava bares na 201 norte ou quem tomava Domus na 408. Quem bebia vinho na praça dos três poderes ou quem exalava confiança queimando panfletos na esplanada.
Um verdadeiro morador da capital não anda a pé nem dentro de si mesmo. Precisam de capsulas pra computar qualquer dor ao ver seus rivais indo embora e não perceber que hora foi isso. Abrem catuaba ás 10 da manhã, e tomam com seus melhores inimigos esperando o almoço ser servido por qualquer mais fraco que não usar cachicol no balaio.
Sei exatamente quem matou Brasília, mas quando dei meu depoimento eu menti que estava bêbado demais pra ver qualquer rosto que não fosse o seu. Essa cidade sabe muito bem o que fazer quando qualquer coisa preciosa precisa fugir pros seus lugares abertos. Atrás de que muro posso esconder meus desabores, confio então em distâncias e como não tenho carro as coisas ficam bem mais dificeis pra mim.
Brindei com quantos homens e mulheres antes de abrir uma catuaba e sair cantando boleros com pombos nos monumentos. Quantas doses de tequila eu preciso beber pra perder todas as minhas identidades e ainda continuar sendo ingênuo esperando jacas ficarem maduras no fim do mês. Brasília morreu antes do carnaval do ano que vem, e os pombos agora devoram seus 54 anos de falta do que fazer.
Então Brasília levanta como se nada tivesse acontecido, com sua fantasia de ontem, de festas em apartamentos e meninas passam 5 camadas de batom vermelho pra poder sambar na quinta. Dormiu na calçada em homenagem ao seu filho único e fez mais barulho do que qualquer senhor da asa sul poderia suportar depois do seu emprego público. Os ônibus já começam a passar, demorados e sem horário e os politicos roubaram sua carteira. Perdeu cpf e já bloquiou o cartão de crédito.
Prostitutas voltam pra suas casas, rapazes bem vestidos já sabem em que kitnet irão dormir. Catadores catam o que precisam, e escapam por todos os lados. Ganha quer conseguir catar mais vestigios da festa de ontem e aquele que não levar pra casa o melhor pombo pro almoço será privado de ter o que e a quem comer.
Me lembro quando Brasília morreu na W3 completamente humilhada decopondo-se... Me lembro de pombos com metade de suas pernas, dormindo... Me lembro da catuaba... Do cachicol... Das vias... Da falta do que fazer depois das 2 da manhã. De como é dificil atravessar a rua pra comprar cigarro. De como atropelaram minha cidade com leis do silêncio.
E compreendo como é proibido se exaltar na cidade em que não há tradiçao. Foi-se o tempo dos romances a dois. Dormiu na calçada. Cantando baixinho o hino nacional. Sambou e Pombou. E ainda ninguém percebeu que hora foi isso.


sábado, 24 de maio de 2014


há muito tempo não te via pelas ruas
há muito tempo eu achava que você era um sonho
da minha memória borrada da infância
há muito tempo é muito tempo
e distraidamente te encontro.


terça-feira, 14 de maio de 2013

lugar nenhum


cia viçeras apresenta
"lugar nenhum"
um trabalho de criação coletiva.

direção e texto: diego rodrigues
elenco: tatiana bevilacqua
fotografia e câmera: diego rodrigues e marcia regina
trilha original: teka simon
edição: rafael toscano
participação especial: camila lua oliveira

sexta-feira, 10 de maio de 2013


tinha uma coisa pra dizer
um sentimento de falta 
uma palavra
que expressaria aquele negócio aquela coisa
estranha que não se deixa falar
que me escapole por entressílabas
sem eu conseguir achar
o nome daquele daquela sensação de um jeito
de peito-boca
um lance coração-mão
sei lá
de repente é que a palavra
tadinha nunca foi sua especialidade dar conta
de ser e acaba tentando dizer
sobre o que foi apesar
da distância do corpo que ficou
e tende a ficar
por aqui mesmo

domingo, 5 de maio de 2013


desci do ônibus querendo me perder no eixão. e teve um momento em que a razão perdeu a vez para a sensação. dai do nada ao atravessar de vez o eixo e me perder nas luzes dos carros, apareceu um homem no meio-fio.
ele apenas tirava fotos dos carros no eixão, enquanto eu queria atravessar aquele abismo. eu fiquei observando o gesto dele, o cabelo dele, até ele terminar o que precisava fazer e descer para a passarela.
eu não atravesso passarelas à noite, mas eu não resisti e me cedi ao desejo de ir atrás daquele homem desconhecido.  quanta vida tinha aquela passarela, era isso o que ele queria me mostrar.